Niède Guidon, 83 anos, é atualmente uma das maiores autoridades em arqueologia no país, sobretudo, em se tratando do Patrimônio Cultural Arqueológico do Estado do Piauí. Suas pesquisas e descobertas no Parque Nacional da Serra da Capivara confundem-se com as principais ações de valorização, reconhecimento e preservação das relíquias da pré-história do Brasil. Datados de 20 mil a mais de 30 mil anos em relação ao presente. São artefatos que provam a presença humana nas Américas. Isto é bem mais antigo que se pensavam estudiosos mundo a fora. Estes estudos foram publicados pela revista especializada Nature da Inglaterra em 1986 quando os sítios arqueológicos do Estado do Piauí ganharam notoriedade internacional. Há 40 anos ela se dedica quase que exclusivamente aos mais impressionantes registros da saga dos primitivos paleohabitantes do território nacional. Fez centenas de descobertas e criou o Museu do Homem Americano.

     O Parque Nacional da Serra da Capivara tem uma área total de 130 mil hectares, abriga mais de 900 sítios arqueológicos de onde 500 deles contêm pinturas rupestres inclusos mais de 30 mil pinturas que mostram o cotidiano dos primeiros donos do território brasileiro. Axiomaticamente um museu ao céu aberto em meio a paisagens magníficas, embora não saibamos explicar, é a maior concentração de pinturas rupestres das Américas. São imagens que revelam cenas de caça, diversos animais, dança, cerimônias religiosas, símbolos geométricos e formas genéricas ainda não inteiramente decifrados. Segundo estudos as mais antigas recuam até 28 mil anos atrás, daí a importância da sua preservação. Foram encontrados esqueletos humanos de mais de 10 mil anos e fósseis de animais já extintos a bastante tempo, além de cerâmicas e artefatos do cotidiano de nossos antepassados piauienses.

     Segundo a arqueóloga, em entrevista cedida à BBC Brasil para repórter Roberta Jansen no dia 12 de março, o parque nacional necessita de aproximadamente R$ 400 mil por mês para se manter e já estavam beirando o fechamento do parque por alguns dias. Muitos funcionários do parque já foram demitidos. Niède Guidon desabafa e diz que não sabe por quanto tempo o parque agüentaria funcionando recebendo os visitantes e pesquisadores. Cerca de 25 mil a 30 mil pessoas por ano, que de acordo com a estudiosa,  é um número muito pouco de freqüentadores para poder subsidiar o pleno funcionamento apenas com as visitas.

     Contudo, temos um alento para esta situação. O juiz federal Pablo Baldivieso, através de determinação provisória, obriga a União, o IBAMA e o IPHAN a repassarem R$ 4,49 milhões para a manutenção e conservação do parque e, para o Intituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, instituto responsável pela administração do parque, o prazo de um ano para que elaborem um plano de ação e manejo do espaço. O magistrado entendeu que estas instituições permaneceram omissas. Em caso de descumprimento, a sentença prevê multa diária de R$ 10 mil. Doutora Niède afirma que esta verba não é suficiente, sozinha, para ultrapassar o momento crítico.

     A despeito disso o parque vive em grandes dificuldades financeiras, despediu 27 funcionários e das 240 pessoas que trabalhavam ali apenas 40 permaneceram. A luta também é pelo aparelhamento e funcionamento do aeroporto de São Raimundo Nonato de modo que alavancaria significativamente a quantidade de visitantes ao parque.

     A preservação das pinturas rupestres é um desafio à parte em meio à grave crise financeira. Embora surpreenda a muitos, a dedicação de uma vida inteira à Serra da Capivara, em meio a tantos desafios, é fácil de explicar – pelo menos para ela: “Eu sou uma arqueóloga“, diz, com seu jeito pragmático. “Conheço sítios no mundo inteiro. Sei muito bem a importância do que temos aqui.”