Infelizmente muitas estórias da sociedade buritiense acabaram caindo no ostracismo, via de regra, elas deixam de habitar o imaginário coletivo quando os atores sociais não as repassam oralmente para as gerações subsequentes às suas, isso também ocorre por falta de registros escritos do nosso cotidiano. Algumas de nossas memórias agonizam e clamam urgentemente por uma releitura, diante disso faz-se necessário que as tornemos públicas e assim estaremos resgatando antigos relatos que inevitavelmente estão fadados ao esquecimento.
    Um bom exemplo disso é a história  pouco conhecida da ex-cativa buritiense Dona Firmiana Maria da Conceição, nascida em 09 de agosto de 1848 e falecida no dia 08 de maio de 1926, ela deixou o nome marcado em nossa comunidade por ter conseguido façanha incomum para a época, conviveu com a exploração, humilhação e maus tratos da escravidão, e veio a se tornar uma mulher respeitada e dona de uma considerável fortuna. Como os inúmeros escravos que aqui viveram Dona Firmiana sofreu a discriminação, o abuso e a intolerância da época, com qualidades diferenciadas era benquista por seus senhores e deles tinha a estima e confiança.
     Nossa personagem era determinada e sonhava em um dia comprar a alforria, sabe-se que isso quase nunca ocorria em pequenos povoados como o nosso, nascida 23 anos antes da promulgação da Lei do Ventre Livre (1871) viveu a tristeza e angustia de não ser beneficiada pela mesma, porém o fato de ver crianças negras livres lhe fez acreditar que a sua liberdade ainda seria possível e pôs-se a guardar todas as moedas que ganhava de seus senhores pois tinha a fixação de comprar a liberdade. E assim ao longo de muitos anos conseguiu juntar, de maneira silenciosa e discreta, muitas moedas de prata e ouro, a quem diga que por sorte recebeu boa quantia de moedas de um amigo, pois o mesmo conhecia seu anseio de ser livre e quis ajudá-la.
     A saga de nossa heroína por ter direito à liberdade durou anos a fio, sua determinação era admirável e assim a cada dia se aproximava mais do elevado valor exigido e necessário para a compra de sua alforria. Quis o destino que ao completar 40 anos de idade, já com a quantia almejada e necessária pra ser livre, não precisou utiliza-la pois foi contemplada em 1888  com Lei Áurea, finalmente  aquela que havia tido poucos motivos para se alegrar na vida, agora livre e com recursos realizou algo improvável pra época, mandou erguer uma imponente casa onde passou a viver e constitui família.
     Mesmo livres aos ex-escravos  não era permitido o convívio entre as tradicionais famílias, nossa sociedade ainda alimentava o preconceito racial por isso Firmiana preferiu morar afastada sua casa foi edificada em pedras no encontro do Riacho Buriti com a Lagoa Grande, ainda de pé atualmente essa residência esta localizada no final de Avenida Brasil. Conta-se que no final da vida a matriarca chamou os seis filhos e dividiu com eles o que sobrou de sua fortuna, pediu que lhe trouxesse do quarto um baú e na grande sala de estar foi despejado o conteúdo do mesmo, eram muitas moedas de ouro e prata e a própria Firmiana teria feito a divisão que garantiria o futuro de suas gerações.

Texto: Professor Gildazio e Poeta Neném Calixto